Imagine que você está lá na sua empresa durante anos e anos sempre no mesmo cargo. Não recebia aumentos, promoções, nada. Estava completamente estagnado e sem perspectiva. Um belo dia, num surto de loucura, aquele famoso momento “Foda-se essa merda!” que costuma durar não mais do que 20 segundos na sua cabeça, você sai da empresa sem deixar nenhuma saudade e parte em busca de um novo desafio até encontrá-lo. Quando o faz, não apenas aproveita encontrando a solução, como se vê valorizado. Abandonou a posição de “funcionário fantasma” e lhe foi creditado o devido valor, com melhorias constantes e ininterruptas!
Eis que após certo tempo, seu antigo patrão o convida para fazer um novo serviço. Por ter um sentimento de afeição e gratidão, você aceita. Nada oficial, um simples freelance para demonstrar que não há rusgas com o passado e com a possibilidade de até voltar ao lugar com uma nova função, mais reconhecida e digna que a anterior. Mas assim que o serviço acaba, tudo volta ao normal e você recebe poucos créditos pelo que fez, sendo declinado de um importante projeto.
Para sua surpresa, voltando ao atual lar, há uma proposta grudada na porta de casa que diz: “Precisamos de você!” do seu atual contratante, aquele que lhe deu tudo na vida profissional e pessoal recente. Na dita proposta, você seria o incumbido de manter o projeto futuro, com a chance de até estragar os planos do seu empregador passado, quase como uma vingança.
Ao saber disso, seu ex-chefe se prontifica a chamá-lo novamente para “brigar pela oportunidade” de estar presente no projeto, enquanto o atual garante que você será o responsável pelo mesmo, o gerente, “O Cara”. Consegue se ver nessa situação? Pode afirmar com certeza qual seria sua reação e resposta? Bom, vimos alguém nisso durante toda a semana com o já famoso “Caso Diego Costa”.
Atletas naturalizados jogando em outras seleções existem no mundo aos montes desde os primórdios do futebol. De Mazzola na Itália nos anos 60, passando por Luis Oliveira na Bélgica, Paulo Rink, Kevin Kurany e Cacau na Alemanha, Marcos Senna na Espanha, Deco, Liédson e Pepe em Portugal, Thiago Motta e Amaury na Itália, etc. Isso falando apenas de brasileiros, porque a nível mundial veríamos diversos africanos por França e Portugal, argentinos em Itália e Paraguai, e por aí vai.
E o que todos esses têm em comum? Todos possuem casos diferentes de Diego Costa. Diego não estava encostado na prateleira, sabendo que jamais teria chance na seleção brasileira. Ele teve sim a sua, não correspondeu bem o suficiente nos amistosos e foi deixado de fora da Copa das Confederações. Seja pelo pouco tempo para mostrar serviços ou por sua própria “demonstração”, ele foi preterido por Felipão e recebeu uma nova chance, dessa vez pela Espanha, país onde se profissionalizou e se tornou famoso.
Felipão, nosso famoso casca grossa, se enfureceu. Chamou-o de persona non grata e a CBF chegou a ameaçar de lhe tirar a nacionalidade brasileira como retaliação. Uma reação infantil, já declinada pelo governo, mas que mostra o tamanho do descontentamento para com o jogador. Mas será que foi tão difícil entender e aceitar o ocorrido?
Talvez os únicos que pudessem entender completamente Diego fossem duas grandes lendas do futebol: o húngaro Ferenc Puskas e o argentino Alfredo Di Stéfano. Ambos jogaram juntos pela seleção espanhola nos anos 60. Naquela época não havia regras firmes como as de hoje sobre naturalizações, tanto que Di Stéfano além de Argentina e Espanha, defendeu a Colômbia em alguns amistosos antes de ir a Europa. De qualquer maneira, cada um por seu próprio motivo (Puskas se exilou durante a Revolução Húngara de 56 e Di Stefano almejando por fim disputar uma Copa do Mundo), tiveram uma atitude semelhante a do brasileiro e preferiram, como gratidão, defender as cores da pátria que os acolheram e onde foram reis.
Pois que assim seja. Ninguém pode se lamentar do ocorrido. Em tempos de futebol moderno e movido apenas por ganância, por jogar por “quem paga minhas contas mais do que pela honra”, Diego acabou mostrando uma curiosa somatória. Mesmo já tendo vestido a camisa da seleção canarinho, a ingratidão para com sua terra natal, que no final das contas, lhe deu a primeira chance de mostrar serviço por uma seleção, foi bem mostrada sem pudor nenhum. Por outro lado, a garantia de que não teria de brigar por uma vaga na reserva no país que o adotou, pesou. Respeito e gratidão por quem, em suas palavras, lhe deu tudo.
No final das contas a decisão foi justa, e volta a pergunta: respondendo friamente, é difícil de entender o ocorrido? E no embalo, você faria MESMO algo diferente dele?
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* A coluna Histórias da Semana fala dos momentos do esporte que ficaram marcados, seja por uma semana, seja por um dia, seja para sempre.
por Helder Rivas | lendasdabola.blogspot.com.br | @LendasDaBola
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